quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Citações: Dr Jivago - Boris Pasternak

                Irei começar uma nova categoria no meu Blog, serão as “Citações”, pois muitas vezes, há nos livros trechos tão intensos, tão belos ou tão inteligentes, que temos vontade de congelá-los no tempo e na memória. E como memória não é meu forte, irei registrar essas passagens aqui.
                Vale lembrar que NÃO serão todas as passagens interessantes dos livros, mas sim, alguns trechos, aqueles que a oportunidade, a viabilidade e o conteúdo me permitiram registrar.
                Sem mais delongas, eis as citações do meu último livro lido:

Doutor Jivago – Boris Pasternak

Pag. 63 – “ A ressurreição. Sob a forma grosseira por que é formulada para consolo dos fracos, essa ideia me é estranha. O que Cristo disse dos vivos e dos mortos sempre o entendi de modo diferente. Onde iriam pôr toda essas multidões reunidas no decorrer dos milênios? O universo inteiro não lhes bastaria e, por Deus, o bem e a razão deveriam ceder lugar; seriam esmagados nesse acotovelamento ávido e bestial.
                Mas uma vida sempre idêntica e infinita é o que enche o universo e se renova de hora em ora, em inúmeras combinações e metamorfoses. Tu, por exemplo, indagas com inquietação se vais ressuscitar; no entanto já ressuscitaste quando nasceste, sem mesmo o teres percebidos.
                Irás sofrer,  tem a carne consciência de sua ruína? Em outras palavras, que sucederia à tua consciência? Mas, que é a consciência? Vejamos isto um pouco. Querer dormir conscientemente é ter insônia na certa; esforçar-se por ter consciência do trabalho da própria digestão é correr para um desarranjo nervoso.  A consciência é um veneno, um instrumento de auto-intoxicação, para quem a aplica em si mesmo. A consciência é uma luz dirigida para fora, a consciência ilumina a estrada a nossa frente, para evitar que tropecemos.
                A consciência é um farol aceso à frente de uma locomotiva; se for dirigido para dentro dela, virá a catástrofe.
                Que acontecerá, então, à tua consciência? Olha que digo: tua consciência. Mas tu mesma, que és? Aí está toda a questão. Vejamos isso mais de perto. Que sentes, de que parte do composto que és tens consciência? De teus rins, de teu fígado, de tuas veias? Não. Rebusca em tuas lembranças e só te surpreenderão voltadas para fora, para a ação, para a obra de tuas mãos, para tua família e para os outros. E agora, escuta-me bem. O homem presente nos outros, justamente isso é que é a alma do homem. Eis o que tu és, eis o que respirou, aquilo de que se alimentou. Aquilo que bebeu durante toda a vida a tua consciência. Isto é ta alma, tua imortalidade, tua vida nos outros. E então? Nos outros foste, nos outros serás. E tudo o que te puder ser feito a seguir, isso chama recordação. Serás tu, entrada na composição do futuro.
                Um última coisa, por fim. Não tens por que inquietar-te. A morte não existe. A morte não nos diz respeito. Falaste de talento: isto, sim, é outra coisa, é nosso, nós é que o descobrimos. E o talento, no sentido mais alto e mais vasto, é o dom da vida.
                Não haverá morte, disse São João. Vê como sua argumentação é simples. Não haverá morte, porque o passado foi resolvido. É quase como se ele dissesse: não haverá morte porque isso é conhecido, porque é história antiga e não nos diverte mais; agora, precisamos do que é novo, e o que é novo é a vida eterna.”

Fruto da Sorveira

 Pag 71 – “Lara bordejava a estrada de ferro, seguindo um caminho de terra batida por peregrinos e vagabundos e depois cortava os campos por uma vereda que levava à floresta. Detinha-se ali e, fechando os olhos, aspira os odores inextrincáveis do espaço em torno. Aquilo era mais próximo do que pai e mãe, mais doce do que um bem-amado e de melhor conselho do que um livro. Por leve instante, o sentido da existência tornava-se evidente. Estava ali, compreendida, para ver claro na beleza arrebatadora da terra e para dar nome a todas as coisas. E, se isso lhe ultrapassasse as forças para dar nascimento, por amor à vida, a sucessores que em seu lugar  fizessem.”

Pag 335 – “... erguia-se uma bela sorveira soltaria, cor de ferrugem, a única de todas as árvores que conservava suas folhas. Estava plantada  sobre um montículo que dominada torrões de terras pantanosas e elevava para o céu os corimbos d suas bagas duras dum vermelho vivo, que se abriam sobre o céu cor de chumbo dos primeiros dias de chuva e de neve do inverno  que começava. Passarinhos de plumagem brilhante como a aurora das manhas de geada, melharucos, pousavam sobre a sorveira e bicavam lentamente as grossas bagas de sua escolha, depois, levantando vivamente a cabecinha e estendendo o pescoço, engoliam com esforço.”

Passarinho Melharuco
Pag 414 – “Após duas ou três estrofes redigidas facilmente, e algumas comparações que causaram espanto a si mesmo, foi tomado inteiramente pelo seu trabalho e sentiu a aproximação do que se chama a inspiração. A relação das forças  que regem a criação parece então revirar-se, a primazia não cabe mais ao homem e ao estado de alma ao qual procura das uma expressão, mas à linguagem pela qual quer exprimi-lo. A linguagem, pátria e receptáculo da beleza e do sentido, põe-se ela mesma a pensar e a falar pelo homem, e torna-se toda música, não por sua ressonância exterior e sensível, mas pela impetuosidade e potência de seu movimento interior. Semelhante então à massa irrompente de um rio cuja corrente vai polindo as pedras do fundo e aciona a roda dos moinhos, o fluxo da linguagem, por si mesma e por suas próprias leis, cria em caminho e como de passagem a medida, a rima, e mil outras formas, mil outras figuras ainda mais importantes, mas até aqui desconhecidas, inexploradas e se nome.”

                Observando essas citações, é até estranho pensar que o tema do livro seja a vida de um médico  durante o período conturbadíssimo que vai desde o domingo sangrento em 1905, passa pela 1ª guerra, Revolução Russa, NEP e chega até os pés da 2ª Guerra Mundial.
                No livro há tanta delicadeza, gentileza, tanta inteligência e riqueza interior que é por vezes desconcertante ter como pano de fundo a guerra, a violência e a deterioração humana.
                Livro e autor incríveis! .....  Afinal, Boris Pasternak ganhou o Prêmio Nobel em 1958, não era de se esperar menos!!!


3 comentários:

Magno Rocha disse...

E quando a vida eterna deixar de ser novidade o que nos divertirá será o contentar-se em querer estar presente, mesmo na ausência...

Marina Risther Razzo disse...

Doutor Jivago possui tantas citações incríveis que eu fiquei louca de vontade de grifar meu livro. Mas acho que ainda me falta coragem, por enquanto pelo menos. Pretendo reler um dia, só pra poder anotar todas as maravilhosas e sensíveis passagens escritas pelo Pasternak.

Paula Montanari disse...

Mas essa prosa poética encanta de uma forma!!!
O livro todo merece ser grifado mesmo hahaha

;*

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